quinta-feira, 29 de maio de 2008

Dia da Criança - 1 de Junho

Na passagem de mais um Dia da Criança, a Biblioteca Escolar dá-te a conhecer as leituras que autores teus conhecidos(1) realizaram durante as suas infâncias. Foram livros que “os ajudaram a voar”![1] Todos os testemunhos foram retirados do site http://www.casadaleitura.org/ da Fundação Calouste Gulbenkian

Livros que se agarram à pele

Há livros que se nos agarram à pele uma vida inteira. Outros deixam-se escorregar no silêncio. Os meus livros, os seis livros que se me agarram à pele – e sigo a ordem do passar dos anos – foram: O meu pé de laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, O Homem das Mil Invenções, biografia de Thomas Edison e A Pedra Mágica e A Princesinha Doente, sobre Madame Curie, dois livros da Colecção Gente Grande para Gente Pequena, escritas por Adolfo Simões Müller, Por quem os sinos dobram, e O velho e o Mar, de Ernest Hemingway, La ciociara, de Alberto Morávia.

António Mota

António Mota nasceu em Vilarelho, concelho de Baião, em 1957. Bom aluno na escola primária, deslumbrava--se com os livros que a carrinha da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian regularmente lhe trazia; leitor compulsivo, ficou para sempre marcado pelo cheiro dos livros. As limitações económicas da família obrigam-no a tirar um curso rápido – o Magistério Primário – e aos 18 anos é já professor. Começou a criar histórias para os seus alunos; incentivado pelas palavras sábias de Ilse Losa, escreve, em 1979, o seu primeiro livro A Aldeia das Flores. Tendo optado por nunca abandonar o espaço onde nasceu e se fez homem, deixa transparecer na sua escrita claras marcas de ruralidade e um aprofundado conhecimento dos sonhos, das alegrias e tristezas que povoam o espírito das crianças que vivem no Portugal profundo. Recebeu vários prémios.(…) Continua a escrever, sempre acompanhado por música, ora clássica, ora celta, ciente de que não pode parar.

Foi quando achei que podia voar

Nasci em Vila Nova de Gaia, em 1930. Aprendi a ler sozinha e de brincadeira com as minhas irmãs e primos direitos, aos 5 anos. O nosso Avô paterno ofereceu--me, vinda do Brasil, uma revista para crianças que se chamava Tico Tico e ia recebendo em fascículos, e assim conheci o escritor Monteiro Lobato e o seu livro O Bicho Manjaléu; entre outros óptimos escritores brasileiros de Histórias Tradicionais, Lendas e Fábulas. Passei a ter um imenso gosto de ler. Li Augusto Gil, António Nobre; e Soares de Passos…, de quem decorei O Noivado do Sepulcro, só para meter medo! De Selma Lagerloff, adorei A Viagem Maravilhosa de Nils Holgerson através da Suécia: foi quando, literalmente, achei que podia voar (experimentei e… parti um pé!).

Maria Alberta Meneres

Maria Alberta Menéres (Vila Nova de Gaia, 1930), licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Lisboa. Foi Professora do Ensino Técnico, do Preparatório e do Secundário (1965-1973), tradutora e colaborou em jornais e revistas literárias. Autora de vários programas televisivos para crianças, foi também directora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da Radiotelevisão Portuguesa (1975-1986). Dirigiu a revista Pais durante três anos (1990-1993). Como poeta, tem vários títulos publicados e está representada em antologias nacionais e estrangeiras, tendo recebido, vários prémios.

Velhos calhamaços

Foi o meu pai quem despertou em mim o gosto pelas palavras, pela literatura, numa afectuosa partilha, por via da oralidade. Ele sabia de cor lengalengas, versos jocosos, trava-línguas e muita poesia. Aos Domingos folheava comigo os velhos calhamaços das Maravilhas da Natureza com minuciosos desenhos feitos à pena. E falava-me dos seus amigos escritores.

Li um pouco de tudo, o que me chegava às mãos: os livros que havia lá por casa, os que me ofereciam nos anos e no Natal, os incontornáveis no colégio inglês que frequentei. Em criança nunca entrei numa biblioteca. Por sorte, um dos meus tios resolveu aliviar a estante, oferecendo-me os volumes das Mil e uma noites e a colecção completa das obras de Júlio Verne, que me fizeram viajar, alternadamente, de tapete mágico, comboio, submarino, nave espacial. Nunca mais parei…

Luísa Ducla Soares


Luísa Ducla Soares nasceu em Lisboa, em 1939, licenciou-se em Letras e exerceu actividades de jornalista e tradutora, prestando actualmente serviços na Área da Informação Bibliográfica da Biblioteca Nacional. Em 1972, publicou o seu primeiro livro, A História da Papoila, e recusou o Grande Prémio de Literatura Infantil do Serviço Nacional de Informação (SNI). Em 1986, recebeu o Prémio Calouste Gulbenkian de Livros para Crianças pelo livro Seis Histórias de Encantar e, em 1996, pela mesma instituição e pelo conjunto da sua obra, o Grande Prémio de Literatura para Crianças.


Livros à mão e outros que não

Os almanaques eram a minha predilecção. Li-os ao calhar, de trás para diante, do meio para trás, à procura das respostas às mil interrogações que os Lello, os Bertrand, os O Século me despertavam mais do que resolviam. Lembro o papel sépia e as letras miudinhas, apertadas em duas colunas de texto, onde cabiam provérbios, sonetos, anedotas, relatos de viagens, receitas de tira-nódoas, pensamentos de celebridades, quinquilharias científicas, fragmentos de romances.

O meu gosto por enciclopédias e a irresistível tentação de ir ler ao lado, derivam dessas leituras avulsas como um colar desmanchado de missangas.

Durante as longas convalescenças, punham-me sobre os joelhos a Volta ao Mundo, de Ferreira de Castro, a História da Guerra, de Carlos Ferrão, os Cinquenta Anos de Vida do Mundo, do mesmo Carlos Ferrão, volumes espessos, encadernados, tristes. “Só para ver os bonecos”, pedia eu, mas tentava decifrar as legendas das fotografias, perceber a malignidade de um tempo rente ao meu, de que já sabia o alívio dos desfechos. A minha afeição pela História Contemporânea, pelos álbuns de fotografias, pelo pó dos sótãos, onde repousam pilhas de jornais e revistas que, em última instância, consigo salvar do lixo, provem desse tempo. Os meus problemas alérgicos também…

Mas não julguem que era um menino neurasténico. Também lia os livros disponíveis para as crianças da minha condição social (“remediada”, classificavam-na os meus pais): a colecção Manecas, da Editora Romano Torres, os Tonecas, de Oliveira Cosme, a colecção Azul, da Condessa de Ségur, colecção que me proporcionou também os arrepiantes contos dos Grimm, de Perrault e do genial Andersen, lido e relido e seduzindo sempre. A história “A Sombra”, essa, então, perseguiu-me e sonhei-a vezes sem conta. Só dela me libertei quando escrevi a peça O Homem sem Sombra, inspirada num dos melhores contos da Literatura fantástica de sempre. Ah, grande Andersen, meu remoto padrinho de crisma!

Ao lado dos clássicos, lia, sem preconceito, em opúsculos agrafados, as aventuras do pistoleiro Texas-Jack e as do corsário Capitão Morgan que já tinham deliciado o meu pai. Sempre gostei de piratas, de duelos chispantes, de canecas de rum que nunca provei. E esperava ansiosamente os sábados que me traziam o Cavaleiro Andante, como antes O Mosquito. Tinha a colecção toda. Uma inundação levou-a. Nunca me consolarei. (…)

António Torrado

António Torrado nasceu em Lisboa, em 1939, e licenciou-se em Filosofia na Universidade de Coimbra. Pedagogo, jornalista, editor e produtor de televisão, dirigiu o Departamento de Programas Infanto-Juvenis da RTP. Ficcionista, poeta e dramaturgo, é especialmente conhecido como escritor de livros para crianças, com mais de 120 títulos publicados, muitos deles traduzidos em várias línguas. Escreveu 366 contos para o sítio www.historiadodia.pt, com milhares de visitas diárias em Portugal e no estrangeiro. Em 1988 é galardoado com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra. Peças de sua autoria foram, nos anos 80, destacadas pelo Júri dos Prémios Garrett. A Lista de Honra do Internacional Board on Books for Young People incluiu, em 1974 e em 1996, dois livros seus. Enquanto professor, foi afastado do ensino, em meados dos anos 60, por motivos políticos. Nos anos 70, foi autor de manuais escolares e cooperou com os Ministérios de Educação de Cabo Verde, Guiné Bissau e Angola na produção dos primeiros livros escolares destes países. No fim dessa década, participou na fundação e direcção de uma escola privada que se distinguiu pela inovação pedagógica. Tem tido intervenção na área da educação, onde se distingue “Da escola sem sentido à escola dos sentidos” (2002). Orientou cursos de formação e leccionou na Escola Superior de Teatro e Cinema. Presentemente, a valência mais marcante da sua obra é o teatro: tem visto encenadas várias peças suas, a última das quais no Teatro Nacional D. Maria II – “A casa da lenha” (2006).


Foram maus livros que me criaram o gosto pela leitura

Vivi toda a minha infância rodeada de livros. Eram livros maus, eram livros bons – era o que havia. E felizmente que havia livros, porque não havia mais nada...Eram os livros que as minhas tias liam, romances de amor, grandes dramas que faziam chorar muito mas acabavam sempre em casamento. Não seriam, evidentemente, para a minha idade, mas fizeram-me muito bem. Chorei desalmadamente com as desventuras do “John Chofer Russo” e era particularmente fã dos romances de uma dupla francesa chamada, se bem me lembro, Henri Ardel e Madame Delli (não afianço que se escrevesse assim, acho até que tinha um “h” algures, mas não sei onde). Foram esses maus livros que me criaram o gosto pela leitura. Que me deram vontade de ler sempre mais. Quando, finalmente, chegaram os livros a sério – eu já estava conquistada. E pude então ler toda a Condessa de Ségur, o Hector Mallot (sobretudo os dois volumes do Sem Família; o Em Família não me comovia tanto, eu era mais tragédias...), o Stevenson (sobretudo O Rapto), a Berthe Bernage (sobretudo com o Romance de Isabel) e – a grande paixão da minha vida – Erico Veríssimo.

A adoração por Veríssimo estendeu-se pela infância e pela adolescência. Se na infância tinham sido sobretudo As Aventuras de Tibicuera a povoar-me os sonhos (ainda hoje a primeira frase do livro tem cadências mágicas para os meus ouvidos: “nasci na taba de uma tribo tupinambá”...), na adolescência foi a descoberta de Clarissa e do seu universo luminoso. Com Clarissa tive a verdadeira revelação de como era possível escrever um romance onde, praticamente, nada acontecia. Um romance onde se dava primazia às emoções, aos cheiros, à música, às recordações. Clarissa foi a heroína da minha adolescência. A que se seguiu Madalena, de A Morgadinha dos Canaviais, e todo o universo feminino de Júlio Diniz (excluindo as “Pupilas”, a que nunca achei muita graça) De repente, quando dei por mim, já a adolescência tinha passado: mas a paixão por Veríssimo e Júlio Diniz nunca mais passou. Tenho o retrato de ambos na minha mesa de trabalho

Alice Vieira

Alice Vieira nasceu em Lisboa, em 1943. Ingressou no jornalismo, em 1969, no Diário Popular, passando, em 1975, para o Diário de Notícias; presentemente, trabalha para o Jornal de Notícias e para a revista Activa. Publicou, pela primeira vez, em 1964, um livro de poemas, mas será em 1979 que ganha o Prémio de Literatura Infantil “Ano Internacional da Criança”, promovido pela Editorial Caminho, com a obra Rosa, minha Irmã Rosa, iniciando uma carreira auspiciosa no difícil território que é a literatura infantil e juvenil. A sua criação literária mantém-se regular, ora explorando temáticas muito próximas das vivências dos jovens, ora fazendo incursões na literatura oral do nosso património tradicional. Parte da obra está traduzida em várias línguas e editada em diversos países; numerosos livros seus estão incluídos em listas de obras literárias de qualidade recomendadas pela célebre International Youth Library de Munique.


1 comentário:

Anónimo disse...

Nestas coisas, fica bem colocar a referência à origem do material que usa e que é a Casa da Leitura. O projecto é para todos e merece ser conhecido. www.casadaleitura.org